O encanto da Lua (versão preliminar)



Há muito tempo atrás vivia em uma aldeia que ficava num lugar também muito distante, um jovem que adorava desenhar.
Passava o dia observando as coisas ao seu redor, gostava de formar imagens com as nuvens que pairavam no céu e depois juntar tudo em rabiscos que fazia em qualquer lugar que tivesse a possibilidade de um traço.
Com tempo desenhou cada vez mais e melhor, até que as pessoas o descobriram e o procuravam para ter seus sonhos realizados em rabiscos. Logo ficou conhecido como o desenhista de sonhos.
Mas, gostava mesmo é de imaginar coisas novas, flores que não existiam e nuvens de chuva quando a floresta se pintava de cinza.  E o tempo, que se desenhava com muitas horas, ora se confundia com as linhas que traçava no meio de tantos sonhos.

Em uma noite de outono, deixou o casebre em que vivia e foi até o centro da aldeia, onde sempre costumava ir para conversar com as estrelas e com a lua, sua amiga de fases. Sentou-se onde mais gostava de se sentar, na borda de pedras que volteava uma fonte que também trazia ao centro uma estátua, que o tempo logo tratou de esquecer.  Ficava horas olhando para o reflexo do incógnito monumento refletido no espelho d'água e rabiscava ali mesmo todas as possibilidades que sua imaginação lhe pudesse permitir. Nesse dia o desenhista de sonhos não teve inspiração para brincar de desvendar o monumento. Sentado bem ali, quando em busca do velho reflexo, surpreso, encontrou o céu mais lindo que antes tivera coragem de se refletir nas rasas e brandas águas da fonte.  Via estrelas no reflexo que pestanejavam apaixonadas pela sinuosa curva visível que uma minguante, branca e suntuosa exibia àquele céu. Respirou bem fundo e devagar, para sua respiração não movimentar a água, começou a desenhar.  Apanhou uma pequena pedra e sob uma pedra maior da borda da fonte, com um só fôlego, retratou o que refletia na água. Após dois minutos, suspirou e deixou o ar escapar aliviado. Percebeu-se igualmente as estrelas, completamente apaixonado pela cena. Em silêncio, voltou ao desenho e imbuído de um desejo misterioso, começou a imaginar como se a outra metade da lua fosse. Pegou novamente a pequena pedra e completou a meia face da lua. Antes que terminasse o desenho, começou fraco e foi aumentando o vento que agora soprava forte bem próxima ao seu desenho, como se quisesse levar junto o pó da pedra que o traçava. No céu, uma negra nuvem surgiu de onde ninguém sabe, e se colocou de modo a ofuscar os fulgores da lua.  E a noite que já não era tão clara, agora derrama penumbra sobre o jovem desenhista deixando ainda menos legível seu desenho na pedra, quase varrido pelo vento.  Espantado pelo aparecimento da estranha nuvem no céu, voltou o olhar para o fraco desenho quando uma luz muito forte surgiu refletida nas águas inquietas da fonte. Mal conseguia definir sua forma, então fixou firmemente sua atenção a luz e atônito percebeu que era o reflexo de lua cheia, não a lua cheia que havia desenhado, mas o reflexo daquela lua branca que estava no céu minguando segundos antes do clarão. Por sorte ninguém mais notou o estranho fenômeno daquela noite, a aldeia acordou como havia dormido, tudo parecia igual. Ainda ofuscado pelos fulgores da lua, acorda o jovem desenhista impactado com o fato da noite passada e nota que algo o acompanhava. Leva a mão ao bolso direito de sua calça e consigo a pequena pedra,  trazendo a tona todos os detalhes daquele momento. 

Ainda deitado, curvou-se sentido ao chão, chão de tábua, e começou a desenhar ali mesmo o que seu estômago bronqueava. Desenhou uma bela cesta de pães sob a mesa da cozinha de sua casa. Antes mesmo que terminasse, fora surpreendido por uma brisa acompanhada por sua mãe, que adentrou ao quarto questionando se por ventura seria ele o responsável pelos pães, que trazia numa cesta junto aos braços.  Sim! era a mesma cesta do desenho e também os mesmos pães. Olhando para sua mãe que ainda aguardava resposta, calou-se por não conseguir... buscou no chão e o desenho havia escapado deixando apenas pó de pedra.
Aliviada, sua mãe lhe sorriu como se agradecesse, e se foi até satisfeita sem mesmo saber o porque dos pães. Nesse momento o desenhista entendeu o encanto, e para ter certeza, sem pensar muito, sentou-se no chão de seu quarto e começou a desenhar seus anseios e alguns sonhos que lhe foram revelados. Lembrou-se das nuvens que imaginava carregada de chuva que nunca vinha e as desenhou no céu de sua aldeia em forma de chuva calma e serena.  Derramou em traços largos água, no poço que há meses apenas eco e lama oferecia. Com esse mesmo traço encheu o lago que ali havia e nele desenhou peixes de todos os tipos e tamanhos. Com riscos firmes marcou uma grande área ao redor da aldeia e ali semeou e fez nascer uma grande plantação com cereais, frutas, e todo alimento possível para seu povo. As feras e bestas fera que aterrorizavam principalmente os menores, tratou logo de desenhá-las bem longe dali. Consertou os telhados das casas que as tempestades descobriram e redesenhou as pedras que faltavam nas casas onde era difícil morar. Desenhou atalhos no meio da mata e novas estradas para novos lugares que desenhou pensando nos novos e bons momentos que viveriam todos. E por fim, em homenagem e agradecimento ao encantamento, desenhou sob o monumento misterioso da fonte, uma Lua minguante.
Depois de desenhar o dia todo, o dia foi se indo, e no instante onde nem dia nem noite se fazia, a incerteza daquela hora vazia de noite e de dia, vazia ficou também sua mente. Da mente que nada tinha, surgiu a ideia de desenhar para si um grande tesouro.
Mal acabara de desenhar toda aquela riqueza pára si, o fraco que mal começara e desta vez se fez muito forte, o vento passou ao lado do desenhista causando arrepios, deixando o desenho do tesouro intacto e levando consigo todos os outros. Sem entender o que estava acontecendo, correu para o centro da aldeia e sentou-se onde mais gostava de se sentar e ficou esperando sua amiga se revelar seja qual fosse sua fase.  Horas se passaram e a noite escura caiu sobre a aldeia. Se não fosse pelas lamparinas acessas ali perto, não se via um palmo diante dos olhos.  A escuridão aos poucos foi dando lugar aos raios pontiagudos do sol. O dia amanheceu frio, sem vento e sem lua. Feito estátua o desenhista ainda olhava para o céu e a única lua que via, foi aquela que desenhara em forma de estátua junto ao misterioso monumento que a fonte afagava. E o povo da aldeia acordou como nunca antes havia acordado, acordaram como se estivessem sonhando porque tudo estava mudado e era tudo tão belo e bom. Pelo menos por um bom tempo. E então, por causa de um desejo vazio o encantamento se desfez para sempre, e em face do seu maior encanto, a Lua foi proibida pelo vento de aparecer para o jovem desenhista, tornando suas noites escuras, frias e vazias.
E assim, o jovem desenhista de sonhos, voltou às ruas de sua aldeia e continuou a desenhar sonhos outros... Sonhos estes, que agora não saiam mais do chão...  

(Wandrei Braga, BSB 2009)

Comentários

André disse…
por isso que a lua me lembra vc! mto bom! =D
André Noronha disse…
agora tb tenho blog
:)
Anônimo disse…
essa lua...

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